A hora do trabalhador começar a trabalhar já passou várias vezes.
Naquela altura do dia, quando os cafés já começam a arrumar as últimas chávenas matutinas para as mesas darem espaço ao iminente almoço, o único ocupante da Assembleia Municipal era o agente. Mais um dia ao serviço da cidade perdia-se na eternidade da paz burocrática.
Ao reparar que os três iam interromper as suas palavras cruzadas, o agente declarou que não era aqui. Que se calhar ali sim, perguntem lá, mas aqui não. Ao dizer isso começou a tomar nota que dos três, duas eram raparigas. A cor daquela que falou era diferente. Branca demais para estas geografias.
- De onde é que a menina é? - alçou-se, dando um abraço disfarçado de um empurrão no ombro.
- Queremos entregar a petição. Quer ver as nossas identidades, e subimos ao segundo piso?
A pergunta não alterou a resposta. Tiveram que ir ali, que não era aqui.
O Fórum Lisboa, que acontece na porta ao lado, é um clássico monumento ao procedimento estatal. Não se salta a obrigatoriedade de uma senhora recepcionista: recebe tudo, e engaveta também.
- As petições aqui é que não, mas podem deixar na mesma.
- Rita, distrai lá o agente e tentamos entrar outra vez na assembleia.
Nem foi preciso: as necessidades do corpo esvaziaram a mesa do agente, e os três subiram ao segundo piso do prédio, que entretanto foi preenchido de mais um ser - o funcionário.
- Não deviam ter falado com o policia, percebem é de pistolas e cassetetes. De onde é que vêm?
- Eu, da Graça, sorriu a Rita.
Por fim, a impressora materializou as mil e mais assinaturas digitais, e carimbadas ficaram.