A multa do Moedas
O carteiro: “a senhora tem uma contraordenação, assine aqui se faz favor, deve ser alguma coisa do carro”.
Só que eu não tenho carro. Nunca tive. Assino, abro: afinal é um recado de amor do Moedas, que através dos seus cupidos, agentes da PSP, mandou-me uma multa de 700 a 3500 euros por ter coordenado os moradores e comerciantes dos Mastros para pedonalizarmos aquelas duas ruas minúsculas na Misericórdia.
Não, estou a contar mal: por termos ousado rebelar contra o monoteísmo do carro.
Por termos decidido agir uma, duas, cinco, onze, todas as vezes que for preciso para reclamar o espaço à arrogância dos automóveis. Por termos lembrado que ainda, pelo menos tecnicamente, isso tudo é uma democracia onde os cidadãos têm voz nos assuntos locais. Por não termos aceitado a insolência do silêncio da Junta e da Câmara. Por cada um ter escavado infinitas horas do próprio calendário para organizar as manifestações.
A carta de amor diz que, enquanto manifestávamos pela pedonalização da Rua e Travessa dos Mastros, utlizámos “a via pública para a realização de manifestação” e que procedemos “à ocupação da via pública causando perturbação na circulação do trânsito”.
Leram bem. Na interpretação da CML que mandou a PSP para nos dispersar, na manifestação que pede pedonalizar as ruas, não se pode pedonalizar estas ruas.
Do nosso lado, nunca fizemos nenhuma desobediência civil, porque achamos a Constituição da República Portuguesa bem porreira. Organizámos as nossas manifestações sempre ao abrigo do artigo 45 da Constituição, que diz que podemos manifestar-nos “sem necessidade de qualquer autorização”. Ter crianças a desenhar com giz no chão não deveria, na nossa interpretação da lei portuguesa, ofender a moral de ninguém. Quem está em desobediência são as autoridades: o Carlos Moedas, que ao ter observado os nossos seis fins de semana sem carros decidiu que chega de felicidade, que era hora de soltar os agentes da PSP para tratarem dos manifestantes.
“Ó, Ksenia, foste tu quem se meteu nisso, agora paga.” É exatamente a reação que os ditadores querem. A tática é desgastar os cidadãos ativos. Intimidar com a aleatoriedade policial. Encostar contra a parede com as multas. Calar uma Ksenia para calar de uma vez toda uma classe de miúdas que andam a peticionar. Um truque clássico que vêm dos tempos imemoriais.
Provavelmente o agente concreto que fez a acusação contra mim, fê-lo da própria vontade. Mas o Moedas permitiu que se desencadeasse este ultraje policial. Em vez de vir conversar com o bairro, decidiu proibir. É o Moedas quem está por detrás das intimidações dos moradores, foi ele quem não nos deixou seguir com o plano de ter a Rua e a Travessa dos Mastros pedonais todos os fins de semana. Isto numa capital europeia em 2024.
O insulto que te esfregam na ferida é obrigar-te a fazer o depósito dos 700 euros enquanto preparas a tua defesa. Um de vocês nos surpreendeu ontem ao fazer-nos a transferência dos tais 700 euros para podermos depositar. Isso deu-me forças para estar a escrever esta newsletter agora. A este ponto, também têm curiosidade em descobrir se o estado que obriga a depositar a coima em 48 horas, também devolve o depósito em 48 horas caso – esperamos que sim – a nossa defesa ganhar? Esperamos contar-vos em breve. Já agora, se são, ou se conhecem advogados interessados no assunto, digam.
Esta pressão toda é resultado de termos começado a construir uma Lisboa humana sem esperar infinitamente pela bênção dos políticos. O nosso objetivo é desbravar o caminho para qualquer de vocês poder replicar o modelo – como aliás está a fazer a Mariana Pereira em Belém! – nas vossas ruas.
Apesar desta ditaturazinha que se instalou na Praça do Município, não queremos ficar calados e mansos, à espera de um milagre. A resignação não leva à mudança. Estas intimidações significam que o Carlos Moedas e a equipa dos estrategistas políticos à volta dele têm medo de que as táticas provadas de ganhar votos – mais carros e mais estacionamento – possam não dar certo nas próximas autárquicas. Afinal, nos Mastros a maioria dos moradores, comerciantes e vizinhos quer as ruas pedonais, estão frustrados com as intimidações e políticas insensatas dos dirigentes da Junta e da Câmara.
O Moedas conseguiu obrigar-nos a passar muito tempo nos labirintos legais. Em vez de levar a felicidade do silêncio e convívio a mais ruas, somos obrigados a escrever queixas, denúncias e defesas. Estamos cientes disso – porque tocámos onde dói. Estamos à procura de um_a editor de vídeos (vamos ensinar quase tudo, não precisam de ter diplomas) para não pararmos de vos contar as nossas histórias nas redes, e precisamos da vossa ajuda regular. Uma coisa é garantida: apesar de toda a ira que sentimos, estamos sempre dispostos a sorrir com vocês ao ver o bonito que vos ficam as t-shirts Cravo Bravo.
Defender-se também é (ainda) possível,
Ksenia
***
Estás a ler esta newsletter porque subscreveste a Lisboa Possível. Ou porque recebeste o reencaminhamento de alguém preocupado com o futuro da nossa cidade. Neste caso podes subscrever aqui. Por detrás de cada ação escondem-se horas e horas de trabalho. Para podermos continuar a contar tudo sem medo da censura, devemos ser independentes, o que só podemos conseguir com a tua ajuda.
Estamos nas redes Cancelar a subscrição De que temas deveríamos falar? Como podemos melhorar? Queremos ouvir as tuas ideias quero@lisboapossível.pt
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Só que eu não tenho carro. Nunca tive. Assino, abro: afinal é um recado de amor do Moedas, que através dos seus cupidos, agentes da PSP, mandou-me uma multa de 700 a 3500 euros por ter coordenado os moradores e comerciantes dos Mastros para pedonalizarmos aquelas duas ruas minúsculas na Misericórdia.
Não, estou a contar mal: por termos ousado rebelar contra o monoteísmo do carro.
Por termos decidido agir uma, duas, cinco, onze, todas as vezes que for preciso para reclamar o espaço à arrogância dos automóveis. Por termos lembrado que ainda, pelo menos tecnicamente, isso tudo é uma democracia onde os cidadãos têm voz nos assuntos locais. Por não termos aceitado a insolência do silêncio da Junta e da Câmara. Por cada um ter escavado infinitas horas do próprio calendário para organizar as manifestações.
A carta de amor diz que, enquanto manifestávamos pela pedonalização da Rua e Travessa dos Mastros, utlizámos “a via pública para a realização de manifestação” e que procedemos “à ocupação da via pública causando perturbação na circulação do trânsito”.
Leram bem. Na interpretação da CML que mandou a PSP para nos dispersar, na manifestação que pede pedonalizar as ruas, não se pode pedonalizar estas ruas.
Do nosso lado, nunca fizemos nenhuma desobediência civil, porque achamos a Constituição da República Portuguesa bem porreira. Organizámos as nossas manifestações sempre ao abrigo do artigo 45 da Constituição, que diz que podemos manifestar-nos “sem necessidade de qualquer autorização”. Ter crianças a desenhar com giz no chão não deveria, na nossa interpretação da lei portuguesa, ofender a moral de ninguém. Quem está em desobediência são as autoridades: o Carlos Moedas, que ao ter observado os nossos seis fins de semana sem carros decidiu que chega de felicidade, que era hora de soltar os agentes da PSP para tratarem dos manifestantes.
“Ó, Ksenia, foste tu quem se meteu nisso, agora paga.” É exatamente a reação que os ditadores querem. A tática é desgastar os cidadãos ativos. Intimidar com a aleatoriedade policial. Encostar contra a parede com as multas. Calar uma Ksenia para calar de uma vez toda uma classe de miúdas que andam a peticionar. Um truque clássico que vêm dos tempos imemoriais.
Provavelmente o agente concreto que fez a acusação contra mim, fê-lo da própria vontade. Mas o Moedas permitiu que se desencadeasse este ultraje policial. Em vez de vir conversar com o bairro, decidiu proibir. É o Moedas quem está por detrás das intimidações dos moradores, foi ele quem não nos deixou seguir com o plano de ter a Rua e a Travessa dos Mastros pedonais todos os fins de semana. Isto numa capital europeia em 2024.
O insulto que te esfregam na ferida é obrigar-te a fazer o depósito dos 700 euros enquanto preparas a tua defesa. Um de vocês nos surpreendeu ontem ao fazer-nos a transferência dos tais 700 euros para podermos depositar. Isso deu-me forças para estar a escrever esta newsletter agora. A este ponto, também têm curiosidade em descobrir se o estado que obriga a depositar a coima em 48 horas, também devolve o depósito em 48 horas caso – esperamos que sim – a nossa defesa ganhar? Esperamos contar-vos em breve. Já agora, se são, ou se conhecem advogados interessados no assunto, digam.
Esta pressão toda é resultado de termos começado a construir uma Lisboa humana sem esperar infinitamente pela bênção dos políticos. O nosso objetivo é desbravar o caminho para qualquer de vocês poder replicar o modelo – como aliás está a fazer a Mariana Pereira em Belém! – nas vossas ruas.
Apesar desta ditaturazinha que se instalou na Praça do Município, não queremos ficar calados e mansos, à espera de um milagre. A resignação não leva à mudança. Estas intimidações significam que o Carlos Moedas e a equipa dos estrategistas políticos à volta dele têm medo de que as táticas provadas de ganhar votos – mais carros e mais estacionamento – possam não dar certo nas próximas autárquicas. Afinal, nos Mastros a maioria dos moradores, comerciantes e vizinhos quer as ruas pedonais, estão frustrados com as intimidações e políticas insensatas dos dirigentes da Junta e da Câmara.
O Moedas conseguiu obrigar-nos a passar muito tempo nos labirintos legais. Em vez de levar a felicidade do silêncio e convívio a mais ruas, somos obrigados a escrever queixas, denúncias e defesas. Estamos cientes disso – porque tocámos onde dói. Estamos à procura de um_a editor de vídeos (vamos ensinar quase tudo, não precisam de ter diplomas) para não pararmos de vos contar as nossas histórias nas redes, e precisamos da vossa ajuda regular. Uma coisa é garantida: apesar de toda a ira que sentimos, estamos sempre dispostos a sorrir com vocês ao ver o bonito que vos ficam as t-shirts Cravo Bravo.
Defender-se também é (ainda) possível,
Ksenia
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