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Razões para não assinar a petição 30 km/h

Abordei o grupo para lhe apresentar a petição. Estávamos ali no Largo do Intendente, naquele Sábado, todos pelo mesmo: uma cidade, um país, mais seguros e acolhedores. A petição que lhe levava - para diminuirmos 5 vezes o risco de morte ou graves ferimentos em atropelamentos, com uma redução de 20 km/h à velocidade permitida nas cidades, vilas e aldeias do país - não funcionava na vida real. A senhora sabia-o. É que tinha sido mãe. Tinha precisado levar os filhos para a escola.

Tentei compreender qual seria a preocupação que a impedia de assinar. Expliquei-lhe que a petição visava apenas diminuir o limite de velocidade; não proibir o uso do automóvel. Perguntei-lhe que viagens ela receava atrasar. 5 km? São só 4 minutos de diferença. 10 km? 8 minutos. E isto apenas se o trânsito sequer permitisse ir mais rápido do que a 30. Não me quis responder. Fosse como fosse, era uma proposta demasiado extrema. Não funcionava na vida real. Pelo menos na dela, mãe que um dia levou os filhos à escola.

Não tive oportunidade de lhe falar sobre a minha experiência de vida. A dela era a "vida real". Para quê ouvir? Para quê ouvir-me a mim, que talvez só propunha mudanças assim porque nunca tive filhos? Não a censuro.

Como é que ela podia saber? Com uma vida tão cheia de problemas, como é a "real", não há muita oportunidade para imaginar que outras possam ter problemas que não esses. Como é que ela podia imaginar os de uma outra mãe, que teve de visitar o seu filho em coma num hospital, só porque alguém na pressa da sua vida real não pôde ver-me na sua frente a atravessar a rua, antes de atropelar-me e esmagar-me o crânio?

Não podia imaginar, nem pôde sabê-lo, certa que estava da realidade da sua vida, que, para ela, nenhuma vida alheia pode ter. Não contesto. Só tenho pena que ela tenha perdido uma oportunidade para, por um momento, tomar consciência de que essa verdade não é exclusividade sua: todos só têm acesso à realidade como a vivenciam. Por isso mesmo é tão desafiante viver em sociedade, e é tão importante ouvir o outro.

Ela não assinou, e ninguém no grupo o fez. Outra mulher do grupo, que concordava com a primeira, apresentava um punhado de outros problemas e soluções. Não se resolvia com esse limite de velocidade - dizia. A solução eram essas outras medidas, adotadas em bairros de Barcelona. Tentei explicar que a razão de propor a mudança do Código de Estrada em vez de todas essas medidas - que concordava serem ideais - era precisamente por ser mais pragmático pedir ao parlamento que altere a lei do que pedir ou esperar que todas as autarquias apliquem cada uma dessas medidas. Contei-lhe que apesar da iniciativa de Barcelona, e certamente outras cidades, Espanha decidiu fazer exactamente o que lhe propunha: alterar a lei, mudando o limite de velocidade 50 para 30.

Nada serviu. Afinal, contra realidades não há factos nem argumentos.

Nuno Costa
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