Mas o carro poupa-me 17 minutos!
Mas eu quero ir à praia à hora que me apetecer!
Mas cada um faz como melhor entender, eu adoro carros!
Mas eu gosto da velocidade, 30 é um atraso!
Mas eu gosto de ser imperfeita, sinto que vocês interrompem a minha vida cómoda, vou deixar de vos seguir!
Eh sim, lisboetas possíveis, a vida de uma ativista é cheia de pontos de exclamação e ameaças inesperadas. Não fico furiosa, mas curiosa: de onde vem este exibicionismo do egoísmo? Ser solidário passou de moda? Ou atingimos a verdadeira honestidade radical e finalmente dizemos o que sempre fomos?
Esta colheita de comentários “me me me” em resposta às entrevistas que publicámos nas nossas redes (1, 2, 3) é ouro puro. Dá corpo à teoria básica da economia política: o interesse próprio de cada um de nós prevalecerá sobre o bem comum. Somos egoístas por natureza. Queremos uma Lisboa prazerosa, verde e justa, e queremos petróleo barato, estradas sem portagens, estacionamento ilimitado e gratuito para ir à praia agora mesmo que já pus a toalha na mochila.
Sabemos com exactidão como chegar a esta Lisboa prazerosa, verde e justa: é tirar os carros, pedonalizar as ruas, criar uma rede de ciclovias e pôr os transportes a andar nas faixas exclusivas com muita frequência. Mas vamos colocar “vendo carro” no OLX logo depois de voltarmos da praia? Pois.
Porque o vizinho não o vai fazer. Porque poupa-me 17 minutos hoje, não interessa se daqui a cinco anos cada vizinho meu faz o mesmo e vamos ter estacionamento em quinta fila. Mais vale um voante na mão do que dois guiadores no futuro. Estamos efetivamente numa armadilha.
Para nos libertarmos da nossa coletiva armadilha, precisamos de ter a certeza de que se eu abdicar do meu voante, tu vais abdicar do teu também, e que apareçam passeios, ciclovias e transportes. Nesta fórmula, nenhum dos dois é moralmente superior, mas o egoísmo dos dois pode resultar em um bem comum.
Estes acordos sobre os objetivos coletivos entre os humanos egoístas chamam-se política, e decidi falar disso nesta newsletter porque é no meu egoísmo que vocês, subscritores desta newsletter, candidatam-se. As eleições autárquicas são já daqui a 12 meses, e aposto que cada uma e um de vocês já sabe mais sobre a mobilidade do que qualquer representante na vossa junta.
Há três dias foi atropelado e morreu um homem na Avenida dos Estados Unidos: a velocidade permitida é 50km/h, todos vão a 70km/h, e nós estamos ainda a recolher as assinaturas para que a velocidade em todas as zonas urbanas baixe a 30km/h, o valor mais alto compatível com a vida.
Porque é que aconteceu esta morte? Mais uma vez temos que ver como a política – e os políticos – transformam os nossos egoísmos individuais em objetivos coletivos.
No caso da Avenida Estados Unidos, cada um quer andar rápido. Os políticos atuais têm medo de não serem reeleitos, portanto não baixam a velocidade. Na prática, isto quer dizer que temos uma política pública bem definida: de vez em quando concedemos uma vítima aleatória em troca de cada um poder acelerar.
Porém, poderíamos renegociar esta política pública. Podemos decidir que o nosso objetivo coletivo é que nem vocês, nem eu morramos caso formos atropelados – e para tal aceitamos o compromisso de andar mais devagar.
E quem pode renegociar esta política pública nas vossas freguesias são vocês. Até poderíamos fazer com que isso fique de moda e que haja pressão social para falar da solidariedade. Por puro egoísmo de aparecer bem nas redes até vamos ver as mesmas pessoas a largar carros. Já é assim em muitas cidades, por exemplo em Barcelona.
Sabiam que o nosso desenho Cravo Bravo já existe em carne e osso? Nunca pensávamos que um dia algum menino de verdade ia pôr um cravo fresco no tubo de escape de um carro em tamanho real. O nosso modelo a seguir, Max, de cinco anos, fez um cravo de papel e treinou pô-lo nos tubos do escape! Noutro dia encontrámo-nos na Avenida da Liberdade para tirar umas fotos – recomendamos a todos que urgentemente precisam de um boost de esperança na humanidade abrirem este link.
E se gostaram da ideia de se candidatar, encaminhem este email aos vossos amigos para considerarem entrar na política (ou enviem este link). Enquanto às t-shirts Cravo Bravo, nos quedam só uma L e quatro Ss do modelo unissexo, mas ainda temos várias Ms. Também estamos a produzir bolsas que já podem pre-encomendar – tudo aqui. A melhor maneira de nos apoiar é sempre com uma doação regular, que nos permite planear as nossas ações com maior confiança. Este mês, gostávamos de agradecer José Luís, Bruno, Harris, Telma & Tiago, Elaine & Antônio, Daniel e Ana.
Direcionar os nossos respectivos egoísmos para um bem comum é possível,
Ksenia